quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Crítica / Quixotes da dança


Marcela Benvegnu

Quixotes do Amanhã”, coreografia de Fernando Machado para a Cia. de Dança de Diadema, que foi apresentada no Sesi Piracicaba no domingo, 28, começa antes mesmo de a cortina se abrir. O bailarino Ton Carbones está colocado no canto da platéia. Ele é uma espécie de menino de rua, que vê no dia seguinte a esperança de um mundo melhor. Cidadão do tempo. Quixote do amanhã. No proscênio, copos de plástico amassados chamam a atenção. É o lixo. Proposta de concepção da companhia para esta montagem que por sinal é bem trabalhada e sai da reciclagem convencional da dança contemporânea.

Quando a cortina se abre, a dança se revela. É possível assistir a uma fluida movimentação que se abdica da junção de passos para dar ênfase a uma forma de linguagem que mistura a dança contemporânea ao teatro coreográfico. O palco aberto — sem o uso das coxias — serve de cenário para uma cidade onde o homem é tratado como bicho, que caça para sobreviver. Na sutil poesia de Quixote está o subtexto de que é preciso respirar ar puro, quem sabe ar que dança, e que consegue dançar em meio ao lixo que ocupa todo o espaço.

Os bailarinos são bem preparados. Mostram sincronicidade e força na execução. Porém, é Fernanda Bueno quem chama atenção. Não é pelo nu, que executa em um momento do espetáculo — por sinal um nu de costas muito bem colocado —, mas sim pela força e vigor físico com que interpreta a coreografia musicada ao vivo por Loop B, com iluminação do talentoso Ari Buccione.

Com direção de Ana Botosso, o trabalho provoca uma reflexão que vai além do mau direcionamento do lixo provocado pela inconsequência do homem. Estaríamos nós todos no lixo? Qual o lugar da dança na contemporaneidade? Não basta acreditar, talvez seja preciso dançar.

DIÁLOGOS IM(POSSÍVEIS) — Após o espetáculo foi proposta uma conversa com os bailarinos e com Machado. A trupe falou um pouco sobre o processo de composição da coreografia, a criação da companhia e o belo trabalho que desenvolvem como arte-difusores. Infelizmente as poucas pessoas da área da dança piracicabana que assistiram ao espetáculo não ficaram para o bate-papo. Se pensam que perderam somente um monte de palavras, se enganam. Perderam dança. Talvez o Fantástico ou mesmo o Domingo Legal fossem mais importantes. Ainda bem que acabou o espaço. Não é preciso dizer mais nada.

Foto: Arnaldo Torres

2 comentários:

Ana Bottosso disse...

Muito bem lembrado, o quanto é importante o momento do bate-papo com a platéia, após o espetáculo. Não que seja um momento para "explicar" a coreografia apresetada, como muito pensam (quem disse que a arte se expleca??) Mas o que é vital é a troca de informações que se estabele entre público e artistas, onde com certeza, ambos saem enriquecidos e transformados. Ótimo texto, Marcela, sensível e ao mesmo tempo provocador.

Di . disse...

Muito bom texto... e o final, fechou com uma reflexão muito importante. O que é prioridade nesse mundo da mídia? Às vezes um bom bate-papo, ainda que não seja estes depois dos espetáculos, valem muito mais que horas e horas da programação televisiva do domingo!!! Parabéns! Apesar de estar escrevendo dois anos depois, isso pra mim está super atual.

beijos!

Thank you, Dance!

by Judy Smith "